Não
sei se noutros países é assim, mas em Portugal acontece. Parece existir
uma ideologia em geral que é aceite tanto pelos empregadores como
pelos empregados. Que estes têm o dever de ficar até mais tarde no
trabalho caso exista um aperto em prazos de entrega de um produto ou de
funcionamento de um serviço. O erro é que é sem pagamentos de horas
extra-ordinárias ou sem acumulação de horas para bancos de horas.
Simplesmente têm que ficar.
Passei
por isso pela primeira vez à alguns anos atrás, num dos meus primeiros
empregos, num Intermarché. Trabalhava como operário de bomba, que abria
às 9 da manhã e fechava às 10 da noite. Variando os turnos, alguém abria
ou fechava a bomba.
Segundo
o meu contrato de trabalho, eu iria fazer 8 horas de trabalho por dia,
pelas quais era devidamente pago, e, ou entrava as 9 da manhã e fazia o
turno da manhã, ou saia as 10 da noite e fazia o turno da tarde. Assim
fiz. Cumprindo o contrato e o meu horário de trabalho. Rapidamente fui
chamado pelos supervisores. Fizeram questão de me avisar que eu não
entrava às 9 da manhã, mas sim ter a bomba aberta ao publico e em funcionamento às 9
da manhã. Para isto ser possível significaria que teria de entrar ao
serviço, no mínimo, 30 minutos mais cedo. Era preciso contar os litros dentro dos
tanques, ligar tudo, limpar, etc..
Então perguntei : "Mas isso está fora do meu horário de trabalho, se entrar
mais cedo saio mais cedo? Pagam-me esse período extra?, Como funciona?",
claro, a resposta foi: "Não, tens que entrar mais cedo, sair às
horas normais, e recebes o normal.".
Resumidamente,
disse que não, que iria seguir o contrato e continuei a entrar
as 9 e deixava os clientes à espera que a bomba estivesse pronta, ou
começava a fechar tudo antes das 10, para sair as 10.
Resultado: Despedido no fim do contrato.
Agora
noutra área, com classificações e estudos, a ideologia permanece.
Felizmente onde me encontro empregado, não tenho razão de queixa, saio
mais tarde às vezes, mas se precisar de faltar, sair ou alterar as horas não
há problema. Mas não era assim no anterior emprego. Toda a gente da
área com quem falo queixa-se da mesma coisa.
Por
lei, é ilegal fazer o que estes empregadores fazem, e a única maneira
conseguir quebrar o ciclo é se toda a gente fizesse o que eu fiz e
dissesse que não! Existem contratos de trabalho para alguma coisa. A
parte mais irónica é que se uma pessoa faltar ou sair mais cedo, é visto
como mau trabalhador, mas se sair mais tarde e não receber os seus
direitos, ninguém diz nada. É como se fosse o nosso dever.
Mais
difícil se torna de gerir quando os que querem evoluir na carreira
ficam até mais tarde de nunca tentativa de se destacar, ou daqueles que
acham que têm o dever de ficar só porque existe trabalho a mais. É aqui
que se torna, ao empregador, possível as comparações e justificar coisas que não deveriam
ser justificadas.
Vejamos este simples exemplo financeiramente
Se um empregado der 30 minutos a mais por dia, são:
- Por semana: 2.5 horas a mais.
- Por mês: 10 horas a mais.
- Por ano: 120 horas a mais.
Um mês de trabalho, a fazer 8 horas por dia, soma um total de 160 horas mês.
Se receber o ordenado mínimo, de 557 neste momento, dá um total de +/- 3.48€ por hora.
As 120 horas extras totalizam +/- 417.60€ que deveriam receber.
Aplicamos
isto a uma empresa com 30 empregados, como era mais ou menos o número
de empregados do Intermarché onde trabalhei, e dá por ano, sem pagar nem a
empregados e livre de imposto, um total de +/- 12.500€. Valor que a empresa
não tem que pagar, logo poupa.
Anualmente, um empregado que receba o ordenado mínimo, recebe 12 ordenados e 2 subsídios. Isto dá +/- 7800€ anuais.
Estes
12.500€ chegam para empregar mais uma pessoa, reduzindo o desemprego, e
deixando as pessoas fazer o horário que é suposto fazer. Ao mesmo
tempo, em vez 30 empregados ao longo de um ano, têm 31. O que dá à
empresa um total de 1920 horas a mais de mão de obra durante um ano!
Portanto
continuem a dar horas sem grande oposição e depois perguntem-se como é
que o dinheiro fica sempre para os mais ricos, e o desemprego continua.
(Obviamente o isto não é a solução para o desemprego. Mas em teoria, ajuda.)